domingo, 26 de maio de 2013

One ou crônica fabular

O primeiro tijolo. O segundo. Daí a sucessão contínua, intercalada com porções generosas de cimento a unir o que o homem pode separar em poucos golpes. Lentamente a coisa ganha forma à medida que levanta-se do chão ferido. Vem a chuva, a obra atrasa, algo se perde, é preciso comprar novamente, se o item é raro dobra-se o tempo até encontrá-lo, uma hora acha, a obra continua. As paredes sobem rápido, são a parte mais fácil e dão à construção o aspecto necessário para que olhos curiosos entendam o que se constrói, não vão pensar que se trata de casa pequena ou prediozinho, este é dos grandes, enorme por sinal, será preciso mais que marteladas para derrubá-lo. A cada nove andares seu perímetro externo é diminuído, Babel será, mas só chegaremos ao octogésimo primeiro. Quem quiser maior que vá para Nova Iorque ou Mumbai.

Por dentro é que ninguém vê.  Revestimento fino, piso branco, amplos quartos, uma ou outra parede torta, cerâmica lascada, nada que chame a atenção. Se analisar andar por andar, nove vezes nove, é certo que mais paredes e cerâmicas, em relação ao resto, se encontrarão em dissonância, palavra sonora esta, melhor aplicável a uma mal executada obra de Brams. O que, porém, está dentro não importa, o prédio imponente ergue-se sobre a cidade, refletindo-a, não bastará muitos anos e o reflexo será baço, ação dos tempos, o que demarca as chuvas e o que engole os filhos.

Ei-lo pronto. Quem viver até o futuro chegar verá que ele não ficará em pé por mais que vinte e sete anos, vida curta para um prédio, mas isso também acontece com os relacionamentos. Novos olhos, curiosos ao verem a imponência feita em farelo, vão se perguntar por quê, por quê, esquecem-se de olhar para a história. O terreno, ainda que embrionário, guarda o rancor do que lhe fora tirado, outro prédio, outros tempos. As colunas e vigas, bastante sólidas até, não foram suficientes para segurá-lo, talvez a base não fosse tão profunda. O edifício anterior sim era rocha firme, caiu por conta de ações externas, não há o que ao homem não se curve. Este novo, porém, cai por incompetência de seus construtores, fundações rasas, terreno mal preparado. De nada  valeu a beleza do projeto. De nada valeu construí-lo maior e mais belo que seu antecessor. De nada valeu a intenção.

Sem a devida atenção e respeito à história, do passado e do presente, homens e prédios desmoronam.

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