terça-feira, 28 de junho de 2011

Em defesa da religião (ou contra o fim da moral cega)

para V. Cassio (do Canto em Silêncio)

Sem rodeios. Há dois nomes que quero citar e discutir neste texto: Jair Bolsonaro e Myrian Rios. Tais nomes dispensariam a necessidade de se apresentar o assunto polêmico a que me ponho a discutir, mas vá lá: o peso do discurso religioso na fala e na figura desses sujeitos.

Jair Bolsonaro, Myrian Rios e Cristinanismo. Penso que a relação entre estes termos é bastante evidente para quem estiver acompanhando os assuntos da mídia. O que não deveria ser. Mas, pelo fato de ambos deputados irem à grande imprensa como representantes do povo - e de deus - e valerem-se de sua opção religiosa para posicionarem-se contra ações legais que visam ao combate da homofobia, acabamos por associar suas opiniões às opiniões dos religiosos em geral. O maior problema, todavia, não é a opinião do sr. J. B e da sra. M. R. (dadas sob a luz da democracia e referendadas pelo direito à livre expressão) estarem associadas a grupos religiosos. O problema é quando os religiosos posicionam-se a favor dos deputados, como se estes fossem porta-vozes da massa cristã que prega amor ao próximo e defesa da família.

Àqueles que seguem a doutrina cristã e, mesmo assim, apóiam J. B. e M. R., falta um pouquinho de reflexão sobre a história da religião que seguem. O cristianismo era uma religião de escravos. Os hebreus fugiram do Egito. Os seguidores de Cristo eram perseguidos pelos romanos. Ora, isso já é o suficiente para qualquer cristão encolher o dedo em vez de apontá-lo acusadoramente. Um povo que sofreu com perseguição e a não aceitação de sua opção religiosa deveria ter como princípio básico a aceitação de qualquer fé ou de qualquer diferença que possa gerar uma perseguição semelhante ao qual foi submetido. Não está escrito na bíblia, mas poderia estar presente no coração de todos os seguidores desta doutrina.

Ademais, uma religião (aqui entendida como conceito e não como instituição social) baseada na ideia do amor ao próximo e cujo maior martir é um homem que morreu, dizem, para salvar a humanidade (mas que, na verdade, morreu por pregar valores que iam contra os preceitos do Império Romano), deveria opor-se a toda e qualquer forma de discriminação. Outra coisa que poderia estar na bíblia. E, se pensarmos bem, é o que a vida de Cristo suscita: judeu que foi mandado à cruz pelo seu próprio povo, andarilho que tinha atrás de si pobres, doentes, prostitutas (e disse, certa vez, sobre uma: "atirai a primeira pedra aquele que nunca pecou"), santo que nunca atribuiu a si os milagres que os outros diziam que ele fazia (preferia dizer: "vai. Tua fé te salvou.").

Mas temos os Bolsonaros e as Myrians Rios. Que falam em nome de uma religião e atacam os indivíduos que, diferente dos religiosos, não escolhem o tipo de desejo sexual ao qual estarão sujeitos. Que proclamam defender uma moral (família ideal, boa conduta, direito à propriedade, à liberdade de expressão) só existente no pensamento cristão após as revoluções burguesas (Revolução Francesa e outras). Estes Bolsonaros e Myrians Rios só mancham ainda mais a imagem da religião cristã. E o problema é que não encontrei, até este momento, cristãos dispostos a defender sua imagem, mas muitos que engrossam o coro dos deputados. Eu, ateu que sou, mas inspirado por um texto de um amigo (http://cantoemsilencio.blogspot.com/2010/10/sobre-politica-e-religiao.html), tento defender o uso da religião como instrumento a favor da equidade entre as pessoas (evito propositalmente a palavra igualdade, já tão desgastada nos discursos destes políticos não entendem a lógica do direito à diferença), ainda que as leis da probabilidade não me permita dar crédito a essa possibilidade.

Democracia. Direitos Iguais. Liberdade de Expressão. Tais palavras são erigidas como as aspirações máximas do Estado. Todo mundo fala o que quer e esconde-se atrás desses termos, alegando que tem direito à opinião. Mas, e quando essa opinião só beneficia aquele que a tem (e ao grupo do qual sua opinião é reflexo) e condena os demais? A mim fica patente uma falha moral: importar-se apenas consigo ou com os seus em detrimento dos demais. Para quem pensa somente em benefício próprio é preciso lembrar: ser livre exige responsabilidade. Exige olhar qualquer questão sem os pré-conceitos já sedimentados. Exige, sobretudo, que se reflita e saiba distinguir a origem de seus próprios pensamentos, de sua própria conduta, pois estes, ainda que pareçam frutos de sua brilhante capacidade humana, são reflexos também da sociedade em que o indivíduo está metido. Ser livre é perder a ingenuidade. O sujeito que cumpre essas exigências está apto a dar sua opinião. Se ele existir, suponho que prefirirá manter-se calado.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Solidão em São Paulo: "Estamos Juntos" ou tema bom para um filme ruim

Muito se fala sobre a solidão nos grandes centros urbanos. Parece que morar em uma metrópole significa estar solitário, viver sozinho em meio a multidões de rostos sem nome. Tal contradição junta-se a outra: ainda que com muitos conhecidos em inúmeras redes sociais, o sujeito não consegue comunicar-se de maneira efetiva com o outro, seu semelhante. É como se faltasse algo. E, para compensar a falta, multiplicam-se as possibilidades de diversão: bares, bailes, festas, shoppings, cinemas... A aglomeração de gente dilui os solitários numa massa multiforme.

Este é um dos temas do filme "Estamos juntos" (Toni Venturi, 2011). Tema deveras interessante, o que daria, no menos, um filme poético. E o filme do diretor de Cabra-cega tenta ser: o uso (excessivo) do plano-detalhe, os movimentos rápidos de câmera, a montagem opondo dois mundos paulistanos. São propostas estéticas que, no contexto do filme, acentuam a temática da solidão e da incomunicabilidade. Se tais recursos estivessem associados a uma estória menos óbvia, talvez o filme fosse melhor. Contudo, o grande problema de "Estamos Juntos" é explicitar de todas as formas - da montagem ao roteiro - o tema e a opinião do diretor. A começar pelos personagens: Carmen, personagem vivida pela atriz Leandra Leal, é uma médica solitária, que sai nas noites paulistanas com seu amigo Murilo (Cauã Reymond) e vive aventuras sexuais com Juan (Nazareno Casero), amigo daquele. Nas madrugadas, ou durante os banhos, costuma bater papos filosóficos com um homem misterioso, que mora em seu apartamento. A própria cidade é outra personagem na trama, talvez a mais importante: metrópole de profundos contrastes sociais, a engolir sonhos de uns e regurgitar de outros.

São Paulo revela-se logo na sequência de abertura: um plano geral sobrevoa a cidade e seus contrastes; ao fundo, uma trilha sonora melodramática misturando violino e música eletrônica. Aliás, a trilha é o elemento que mais incomoda: o som do violino dá ao filme a cor de um tango argentino. Daí somos apresentados à personagem de Leal, a médica que salva vidas mas que não tem ninguém que lhe salve. Ou melhor: não consegue abrir seu mundo para que as pessoas possam entrar e salvá-la. E a salvação é necessária, pois a moça está doente, não tem parentes na cidade e é incapaz de pedir ajuda. Com ela, apenas o misterioso homem a falar sobre céus invertidos e fazer-lhe massagens e picotes no cabelo. Carmen está entre os dois mundos representados no longa: o mundo fútil da burguesia cheia de si e afoita por preencher o vazio de alma, e o mundo dos pobres e oprimidos que vêem na luta por direitos básicos o motivo da existência. O tom humanista é mais do que patente: anuncia-se a cada quadro, realçado pelo desespero crescente da personagem central. E, como receita para a solidão, a incomunicabilidade e o vazio de sentido na vida, o filme sugere a ajuda ao próximo, o estabelecimento de relações fraternais.

Talvez seja este o aspceto mais decepcionante do filme, ao menos para mim: explicitar que, se há uma possibilidade de construção de sentido para a vida, é a luta ao lado do oprimido. Os dramas do pobre são maiores que os dramas individualistas dos ricos, o filme parece dizer. O problema não é passar esta mensagem; o problema é gritá-la por todo olonga. Filmes como o "Linha de Passe" (Walter Salles) ou o recente "Bróder" (Jefferson De) adotam um tom humanista sem precisar fazer alarde, como o "Estamos juntos" faz. E se a ideia era falar da solidão e da incomunicabilidade entre os homens, um anjo e uma trapezista (Asas do desejo/Himmel über Berlin, Wim Wenders, 1987), uma adolescente japonesa muda, um casal americano e imigrantes mexicanos (Babel/Babel, Alejandro González Iñarritu) ou ainda um nerd que cria uma rede de relacionamentos por que não consegue se relacionar (Rede Social/Social Network, David Fincher, 2010) cumprem melhor com o objetivo do que uma médica com esquizofrenia que salva vidas mas não tem salvação.

Explicitez. Obviedade. Poderiam ser qualidades. Neste caso banalizaram o que poderia ser uma boa estória sobre a solidão e a solidadriedade em São Paulo.


créditos das imagens (na ordem em que aparecem): 1) cartaz do filme "Estamos Juntos"; 2) cena de "Linha de Passe"; 3) cena de "Bróder"; 4) cena de "Asas do desejo"; 5) cena de "Babel"; 6) cena de "Rede Social"