quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

notas sobre um prenúncio

(sob forte influência do irmão de poesia Ni Brisant)


Adamastor buscava a felicidade em mantras e canções de amor, enquanto o silêncio da casa fazia-lhe sombra e companhia.

***

Há dias em que até a chuva promete.
Mas não vem.

***

Meu verso anda meio bala perdida: atirado à esmo, em busca de um lugar pra se alojar.


sábado, 15 de fevereiro de 2014

Passe adiante





Ouvi em silêncio seu soluçar, e vi igualmente neste idioma sem palavras as suas lágrimas. Senti-lhe quando o lápis grifava-me revelando o melhor de mim, cócegas que carregarei para sempre, maneira de me completar e me escrever em si. Mas era chegado o momento inevitável da separação, meu destino. Devo partir. Sei porém, pelo sabor da lágrima a me banhar, que estarei sempre com ele, pedaço de felicidade que carrego comigo até encontrar um novo amigo.

Fechei-o com uma felicidade imensa e real que me transbordava. Precisava retribuir os momentos bons que passamos juntos, por isso, deixei-o disponível sobre o banco vazio do ônibus. Separações são sempre difíceis, eu sei, mas era o mínimo que poderia fazer: permitir que ele viajasse outras pessoas, sua maior alegria.

Por um instante a solidão causou-lhe medo. E se ninguém o encontrasse? E se fosse parar num daqueles achados e perdidos da vida, sem o calor de uma mão a folhear-lhe, de olhos a devorar-lhe cada palavra? 

De fato, foi realmente parar numa sala fria junto com tantos outros objetos que perderam a identidade e viu durante muito tempo muitos deles desaparecem. Até que uma jovem de olhos assustados o pegou e escondeu-o apressadamente em sua bolsa. Mas essa é uma outra história e terá de ser contada em outra ocasião.


(crédito da imagem: http://www.comicforum.de/showthread.php?48121-Scribble-Sammelthread/page512)

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Últimas palavras

O tiro foi certeiro. Assim era melhor. Antes, porém, de evadir-se por completo deste mundo, sentiu os últimos versos escoarem pelas veias já abertas, já desligadas do corpo e do cérebro que, em tempo, tateavam nova estrada. Assim era melhor. Concentrou-se então e bebeu cada palavra. Elas, as palavras, não lhe pertenciam, ou pertenciam a ele e a todos os outros como ele: situações semelhantes cantam canções semelhantes. Por isso, no derradeiro instante, vertiam. Para lembrar aos esquecidos que todos são iguais na dor. Para trazê-las em seu bombear quando renascessem.

Antes do verso e acorde final, uma ligeira felicidade, a universal, nunca acompanhada de riso fácil e comumente confundida com uma espécie de tristeza, ecoou simples e sépia, alterando as cores do giroflex. Assim era melhor.

Suspirou. O último antes do provável renascer. Que não tarda. Os raios ruivos do sol já apontam no horizonte da manhã.