sábado, 17 de novembro de 2012

Sobre identidade ou Quando Calle 13 passou por aqui

(para minha amiga Vany, latino-americana apaixonada)



Amigo leitor: ouça bem a música que posto. Pode não parecer, mas ela fala muito de você, também. Ela se chama "Latinoamérica" e é de uma banda porto-riquenha chamada Calle 13. Eu, quando a ouvi pela primeira vez, senti uma vergonha estranha. Música de uma banda de um país que nem país é (Porto Rico é território estadunidense), cantada em um espanhol que consigo entender, mas sobretudo com um trecho em bom português na voz de Maria Rita. E de onde vem a vergonha?

Desconsiderando a música do Belchior, é muito difícil ver um brasileiro se reconhecer como pertencente a uma coisa chamada América Latina. Ou melhor: reconhecer-se como latino-americano. Somos brasileiros, fomos "descobertos" por portugueses e falamos a língua que Camões usou. A América Latina é algo como uma simples vizinha, com quem temos, país do futuro que somos, os nossos prepotentes interesses. Parece que o pensamento que permeia o imaginário brasileiro não nos vê como um país cuja história é semelhante ao dos países vizinhos nossos. Antes, somos ávidos em afirmar nossas diferenças.

Mas não é bem assim. E o pior, que é de onde vem a vergonha, nossos "vizinhos" sabem disso. Sabem, melhor do que nós, que a nossa história é a mesma, que os algozes foram os mesmos, revestidos de diferentes nacionalidades, mas com os mesmos objetivos e praticando as mesmas ações. Sinto vergonha em ter passado muito tempo sem me pensar como "apenas um rapaz, latino-americano". Sinto vergonha em saber que os meus hermanos me reconhecem como tal, mas que nunca me dei conta disso.

Os livros de história não falam. A história oficial não fala. Mas a terra sabe. Se você, leitor, ouvi-la, vai achar no mínimo revoltante o comentário do sr. Alckmin neste vídeo.

Latinoamérica nos ensina algo muito além do que as palavras podem dizer. Mas é preciso deixar o coração entrar no mesmo compasso desta canção.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Texto-Esboço para os Oito Anos.

(para Ela, sempre)

Era um filme que veríamos. Um filme que foi se revelando nas longas conversas de telefone, e trocas de mensagens em que se abreviavam as palavras para se conseguir dizer mais. Era um filme para selar o fim do que sequer havia começado. Era assim mesmo: antes do começo, o fim.

Sabe-se lá que mágicas o cinema faz! Uma noturna luz disfarçava a tarde lá fora. Domingo. E nós, ali, a ver o filme prometido. Desconhecíamos os caminhos do amor, que conduziam os braços aos abraços apaixonados, os lábios ao ávido beijo. Eis que o filme aproximava-nos: sentar lado a lado, oferecer um colo, aceitar um afago. A película, na verdade, era a água que regava o campo semeado com palavras. Sempre as palavras. Poderiam brotar a qualquer momento, tornarem-se reais e terríveis, converterem-se em atos, ações e, portanto, não terem mais volta.

A tarde entregava-se aos jogos de crianças, às conversas de portão e aos goles de bar. Nós, à semi-obscuridade, à vontade de começar o que já havia acabado. E foi assim que as palavras, muitas delas abreviadas, outras prolongadas em horas que adentravam madrugadas, brotaram. Um gesto, um braço, um abraço, um beijo, uma explosão. O fim.

Daí então, o início.