segunda-feira, 30 de junho de 2014

"Sertão: estes seus vazios" ou dos sentimentos traduzidos nas palavras dos Grandes (nada a declarar²)

"(...) Mudei meu coração de posto. E a viagem em nossa noite seguia. Purguei a passagem do medo: grande vão eu atravessava.

A tristeza. Aí, o Reinaldo, na paragem, veio para perto de mim. Por causa da minha tristeza, sei que de mim ele mais gostava. Sempre que estou entristecido, é que os outros gostam mais de mim, de minha companhia. Por que? Nunca falo queixa, de nada. Minha tristeza é uma volta em medida; mas minha alegria é forte demais. Eu atravessava no meio da tristeza, o Reinaldo veio. Ele bem-me-quis, aconselhou brincando: - "Riobaldo, puxa as orêlhas do teu jumento..." Mas amuado eu não estava. Respondi somente: - "Amigo..." - e não disse nem mais. Com toda minha cordura. Mas, de feito, eu carecia de sozinho ficar. Nem a pessoa especial do Reinaldo não me ajudava. Sozinho sou, sendo, de sozinho careço, sempre nas estreitas horas - isso procuro. O Reinaldo comigo par a par, e a tristeza do medo me eivava de a ele não dar valor. Homem como eu, tristeza perto de pessoa amiga afraca. Eu queria mesmo algum desespero.

(...)
Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou - amigo - é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é. Amigo meu era Diadorim (...)"

Grande sertão: veredas
João Guimarães Rosa

terça-feira, 17 de junho de 2014

Somente Clarice (ou nada a acrescentar)

"Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa controlável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.
(...)
O que eu era antes não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro.
(...)
Todo momento de achar é um perder-se a si próprio.
(...)
No meu mudo pedido de socorro, eu estava lutando era contra uma vaga primeira alegria que eu não queria perceber em mim porque, mesmo vaga, já era horrível: era uma alegria sem redenção, não sei te explicar, mas era uma alegria sem a esperança."


A paixão segundo G.H
Clarice Lispector

domingo, 8 de junho de 2014