segunda-feira, 20 de março de 2017

Mergulho

Vertigem é o desejo da queda. É expectativa de beijar e unir-se ao asfalto. Mas não há arranha-céu: é o chão que some sob a distração dos meus passos na rua deserta em fim de domingo. Quem sabe o fluido que brota dos rios escondidos da cidade. Quem sabe os dutos que se rompem diante da pressão atroz da água. Meu corpo imerge e a pele se retesa. A pele, sim: estica-se e crispa-se sob o frio pegajoso do Líquido. Mamilos e pelos rígidos, duros falos a menos de um segundo do gozo e, não menos de um segundo seguinte, amolecidos dormem estirados na carne. O cansaço. Penetra o Líquido na caça por poros abertos, buracos negros que engoliram a verdade do universo quando ele mal tinha nascido, o óvulo primordial na esperança da forma anterior à Forma. Ergo o olho. O universo é o céu sobre a abóbada e também é o buraco aberto no chão, uma boca na rua, um buraco arrombado no peito, uma boca na alma. Os poros arreganham-se, o Líquido se assanha até aos músculos. Agora sim: a rigidez contraída dos ombros, o trincar dos dentes, o bater de mãos pés coxas na ânsia da ideia natimorta, o resgate, a ânsia de vômito quando o Líquido lubrifica o pescoço sem chegar à boca, o nariz não comporta o cheiro abissal, toda a sorte de dejetos ali, o humano na sua forma mínima, o humano naquilo que ele próprio enjeitou, preteriu, o humano na sua verdade lodosa jorrada do corpo pelo cu, buraco do fim do mundo, dobre o tempo-e-espaço e é o fim-começo-fim de novo. O novo no fim, nos excrementos que boiam, a essência das coisas partidas, o café, o macarrão, a canela, o vinho, a memória liquefeita do amor, das ruas, da boca de lobo voraz engolindo as águas passadas, os direitos ejaculados no ralo e os buracos negros do corpo felando o passado, a sucção enfiando a bosta em cada poro, o engasgo quando o Líquido chega à boca, pedaços de história não esquecidos. O topo de mim, a cabeça seca na iminência de afundar, resistência sucumbindo ante a ânsia que ameaça expelir esboços de futuro. Não há chão. O fosso aberto, buraco sem fundo, fundo, fundo. O Líquido gruda na pele como porra aos pelos no contato com água quente. Nada. Sobre a superfície, nem vulto, voz, aceno de adeus. Silêncio. No buraco, grito. Mete-se então o Líquido grosso, espesso, boca adentro, goela abaixo, caminhos escuros dos meus avessos, do que restava intocado, sinto agora a intenção devassa do Líquido: encontrar saídas, fecundar o óvulo primígeno e fazer brotar outros três, treze, trezentos mil universos, cuspi-los poro a poro, e seguir, entranha-se em busca do buraco do fim do mundo, os caroços não olvidados como espermatozoides viajando no leite proteico, cuecas, bares, o longo caminho da madrugada, a reminiscência dos amor3s: o cu regurgita tudo uma vez mais.

terça-feira, 14 de março de 2017

click & flash

Meu futuro é um rolo de filme de 24 poses da Kodak, ainda virgem, esperando uma máquina analógica.
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a máquina escangalhou.