domingo, 24 de maio de 2015

subterrâneos

Poço fundo
eu grito
O poema
um eco
que chega à
superfície

Túnel longo
de luz incerta
ao final
O poeta descrê e
espera outro trem
em sua -

sexta-feira, 8 de maio de 2015

decoração (poeminhas para encurtar a noite)

Dilema

Amar tem sido como comprar sapatos:
o modelo você gosta
mas não te entra no pé.



Defeito de fábrica

este bombeador de sensações¹ só quer saber do que não lhe corresponde.



2

Há dois anos chovo. 
Dissolvi-me pele músculos ossos.

Não desfiz-se-me ainda coração.



Só rindo

A vida anda engraçada, igual cartum
com meu coração fazendo papel de bigorna.



O pior

Anoiteci nos poemas que escrevi pensando em você.
O coração ficou acordado, incomodado, tentando arrancar o vermelho do seu sorriso que entupiu minhas artérias.

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¹ "Coração de porco" In: Ondjaki. E se amanhã o medo. RJ: Língua Geral, 2010

domingo, 3 de maio de 2015

recaída

"de onde vem o jeito tão sem defeito
que esse rapaz consegue fingir?
Olha esse sorriso tão indeciso
tá se exibindo pra solidão"
(de onde vem a calma, Marcelo Camelo)


não há nenhum remédio que te salve. aquela pessoa fantástica e incrível e tudo que você quis te quis e você não quis, só para continuar escrevendo com o cotovelo tão sovado de tombos e esperas, a crosta de sangue cobrindo o peito cravejado. já casou com sua dor? porque sim, caso você se recuse a aceitar, ela, a dor, é a única companheira, e o pior é que não é escolha da dor, é sua, só sua, e ela já fugiu de você, mostrou desinteresse, e você insiste em correr atrás, procurá-la nos lugares onde é fácil encontrá-la. mas quero te dizer: não faz sentido. se ao menos este relacionamento de mão única com sua dor rendesse um punhado de bons poemas, uma meia dúzia de boa prosa. você sabe que não rende. tornou-se bom crítico de si e dos outros, sabe reconhecer o primor de um poeta, dum prosador. ou você tem algum prazer em saber-se ruim naquilo que mais gostaria de fazer bem? se for, é novidade para mim. não imaginei que sua inclinação à dor fosse tamanha. deve ser amor mesmo, afinal. então aceita essa sua condição de ama-dor deixando de fingir que busca se recuperar das perdas porque você não busca, fica fingindo quando se olha no espelho que vai fazer diferente e não faz. você vê o que enxerga no espelho? aquele mesmo menino de quatorze anos com as olheiras de agora, a mesma angústia talvez mas com outras lágrimas. sem lágrimas até. sempre te faltou coragem para quebrar o espelho porque você julga mais importante ficar olhando para dentro de si do que para o mundo que se estende atrás da imagem refletida. não ficou claro após quinze anos que a resposta, para o que for, não está aí nesta cara inchada? o ódio, eis uma novidade, mas não adianta simulá-lo, como você faz, achando que dar nomes aos bois alivia o desespero. quem te precisa ouvir usando a palavra que aprendeu - talarico - não é o seu irmão, nem seus amigos. falar à lua que você se sentiu como um copo descartável te alivia do que? deixa de lado esse ódio fingido e permanece na dor, que dela você não escapa, pelo jeito. te faz falta o mundo sorrir naqueles olhos emoldurados por um vermelho intenso. te faz falta a afinidade de ideias. e? foi escolha. sua. você sempre admirou os que lutam por amor enquanto preferia obliviar seus próprios happy ends. o tempo passou, e é provável que haja nenhum remédio que te salve.