sexta-feira, 20 de julho de 2012

Estórias sem fim

Era uma vez em 2003. Todos juntos porque só assim que sabíamos viver. Todos juntos, mas cada um em território conhecido, delimitando fronteiras com os mais próximos. Todos juntos, e mesmo assim uma áurea cinza se espalhava, nublando os caminhos que poderiam ligar uns aos outros. Juntos e a mesa acolhedora modificava sua geografia para receber aqueles que chegavam atrasados.

As mãos de Marininha tamborilavam um copo meio cheio de refrigerante de laranja. Seu riso grande procurava disfarçar o nervosismo com a chegada de Heliodora, nova namorada de seu novo amor Gloomys. Esther pedia a opinião de Marininha para tudo: suco ou refri, coca ou fanta, mussarela ou catupiry. E insistia para a amiga não pensar mais em Gloomys. Não merecia seu afeto depois do que fez. Marininha entrava no jogo e tentava se distrair. Dizia que Antônio não tirava os olhos da amiga.

Gloomys beijou a radiante Heliodora com o entusiasmo de quem muito esperou. Agora sim o coração aliviara-se, o ar carregado ficaria um pouco mais suportável; a presença indesejável seria sombra à mesa, ainda que vez por outra ofuscasse o sol. Não ignorava que em algum momento teria que se resolver com o J. H., mas achava melhor deixar as águas correrem, e com elas a raiva que sentia.

O J.H. aproveitou a recém chegada e a reorganização dos lugares para sentar-se ao lado do Costinha, o melhor de nós. E, juntos, riam de tudo: do suco aguado de abacaxi, da cara bufante de Gloomys, do chapéu de viking de Heliodora. E riam sobretudo dos presentes dados a um dos aniversariantes, o Antônio: revistas masculinas e uma caricatura sua com orelhas enormes. Nem sempre riam. Por vezes o J.H. apoiava as mãos fechadas sobre a mesa, olhava em volta e retomava a conversa com o Costinha sobre o recém término de namoro de sua irmã, e da postura agressiva de Gloomys por conta disso.

Os risos de Costinha e J.H. atraíram o de Marininha, carente de um afeto que eu gostaria de dar. Conversavam sobre qualquer assunto e, naquele riso fácil, fundavam um arquipélago fechado a estranhos. Diferente de LaRossa, que deixou-se isolada e triste. Preferia não dar sinais de estar aberta a relações e a risadas. Seu olhar percorria cada um da grande mesa, como se buscasse ou questionasse, sem nada encontrar. O Antônio tentava puxá-la para a conversa, sem muito sucesso. LaRossa trocava palavras, fazia comentários simples e voltava ao seu mundo particular.

Heliodora ganhou apenas presentes de Gloomys. Era nova no grupo, trazida pelo namorado, e por isso os presentes acharam por bem ficar apenas no clássico "parabéns" e "felicidades". Ela, sempre esfuziante, recebeu os abraços. Mas pouco fez para tentar enturmar-se. Gloomys parecia enfurecido e ela sentia-se na condição de responsável por acalmá-lo. Sabia que o problema era a presença de J.H., a quem não lhe pareceu má pessoa. Não poderia fazer nada além de encher o namorado de carícias. Pelas apresentações, soube que a irmã de J.H não viera, o que já era positivo. Acreditava quando Gloomys dizia não sentir mais nada por ela, no entanto é sempre incômodo compartilhar o mesmo espaço, o mesmo ambiente com alguém que meses atrás estava em nossos braços.

Flashes dos presentes. Dali a pouco todos iriam embora com suas dores e suas vidas por começar. O Costinha terminara as piadas e as risadas. Tomara o refrigerante de laranja que Marininha acabou por abandonar. Já pareciam amigos de longa data. Esther, que fugia dos olhares fictícios de Antônio, jogava as brincadeiras de Costinha, Marininha e J.H. O melhor de nós chamou a atenção para o horário, estava no limite do tempo que sua mãe havia estipulado.

LaRossa já estivera em meus braços. Seu silêncio na mesa talvez se explique. Antônio continuava o centro das atenções, ou o ponto de fuga. Sabia que todos estavam ali não só pelo seu aniversário, mas pelo dia em si, um dia vinte no meio das férias de meio do ano. Estava feliz por isso, por esse companheirismo que unia dez mesas de bar. Todos, que em algum momento serviram de molde às suas estórias, estavam juntos. Pela última vez.

O Banana iria enlouquecer e sumir. A Tatu e o cobrador terminariam, voltariam, teriam um filho e terminariam de novo. A Esther casaria com um bombeiro. O Camelo iria trabalhar para o Hyatt Hotel. O Dinho seria promotor da Positivo. A Tolie iria inventar estórias que nos afastariam ainda mais. O Medusa e eu estudaríamos juntos. E os outros?

Todos voltavam do último passeio da adolescência. Ônibus errado, cada um ficando pelo caminho. À meia-noite uma canção ecoou nas ruas pela última vez. E depois? Depois,