quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

sem título (da série "salão de festas da palavra")

este amor que não te falo, você sabe, mas não te falo, traz o cheiro aveludado da saudade,

e é como pássaro de asa cortada que reaprendeu a voar com o coração. haja tanto sangue pra levantar o corpo, alçar no ar o corpo, alcançar nuvens. haja pulmão pra impulsionar o peito de rubras plumas, galgar distâncias, demoras, cantar gritos de coragem.

este amor que você conhece, conhece e não mensura, é adubo, é semente, é raiz, é pé-de-pássaro anuncia-
dor de aurora. eu,

talvez você não saiba, toda manhã ainda voo perseguindo o cheiro que ficou.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

academia

(...)
Sabe-se que o poeta de Saturno desconhece o verso, mas não rejeita o título. Não vive nas nuvens, como os nossos: habita os maravilhosos anéis, isto porque o planeta é uma imensa bola de gás cujo núcleo, talvez rochoso, é selvagem demais até para as aventuras. Pouco sabe dos dias de sol e brisa fresca. Tal fato, todavia, não o impede de inventar tardes de calor em frente ao mar. Há mar em Saturno. São lodosos não obstante macios, e adequam-se perfeitamente às caminhadas noturnas e diurnas. O poeta de Saturno pratica caminhadas diárias como parte de seu processo criativo, o que é uma possível explicação, sugerem alguns críticos, para o tom prosaico de sua obra. Seus topoi mais expressivos são a terra como metáfora da vida; a dificuldade de criar raízes em lugares inóspitos; a festa como possibilidade de reinvenção de seu próprio mundo; e pássaros (ou suas asas, em explícito processo metonímico), símbolo não de liberdade, senão da tradução do ensejo do eu-poemático. É recorrente, ainda, a cor vermelha, associada a diferentes signos, mas possivelmente um reforço ao topos da terra.

A presente edição traduzida do original (...)

sem título


Não sei porque tua presença ainda ronda e escurece meu peito. Talvez seja o leite em pó que devoras tal qual criança. Os cabelos ruivos de Talita, mais intensos que tua barba. O café da tarde solitário, ou aquela canção de Bethânia (o que é teu já tá guardado), o mantra.

Escreveste-me em cacos, num pedaço de poema, palavra tua, descartada. Guardei-me. Guardei a pedra que o coração regurgitou. Um eu te amo que não passou pela garganta.

Já não inteiro outrora, hoje sou um caco de Pessoa, inconsciente de deuses. À espera do afago perdido. Num certo mês de setembro.