sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Últimas palavras

O tiro foi certeiro. Assim era melhor. Antes, porém, de evadir-se por completo deste mundo, sentiu os últimos versos escoarem pelas veias já abertas, já desligadas do corpo e do cérebro que, em tempo, tateavam nova estrada. Assim era melhor. Concentrou-se então e bebeu cada palavra. Elas, as palavras, não lhe pertenciam, ou pertenciam a ele e a todos os outros como ele: situações semelhantes cantam canções semelhantes. Por isso, no derradeiro instante, vertiam. Para lembrar aos esquecidos que todos são iguais na dor. Para trazê-las em seu bombear quando renascessem.

Antes do verso e acorde final, uma ligeira felicidade, a universal, nunca acompanhada de riso fácil e comumente confundida com uma espécie de tristeza, ecoou simples e sépia, alterando as cores do giroflex. Assim era melhor.

Suspirou. O último antes do provável renascer. Que não tarda. Os raios ruivos do sol já apontam no horizonte da manhã.

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