domingo, 20 de outubro de 2013

De Vinicius para mim (conselho de Um Maior)

(...)
"fez-se do amigo próximo, distante
fez-se da vida uma aventura errante
de repente, não mais que de repente"


Poeta, você que ainda está longe destes meus cem anos, perceba como eu cantei a vida. Como amei-a em cada boca, pele, poro. Como bebi de peito aberto a tristeza humana minha, do povo que me rodeia, e a trouxe à poesia. Mas, principalmente, observe como nada concluí: no máximo lancei indagações ao universo, imenso engolidor de desejos.

Você pode até afirmar, como meu amigo Bandeira, que tem todos os motivos menos um de ser triste. Mas não caia na grande besteira de achar que tristeza qualquer é poesia. Esta é um passo além: do que, do quem, do quando, do onde, do porquê.

Então, viva a poesia apenas quando ela resolver lhe bater à porta. E se ela não vier, deixe que a errância da vida te guie. Errar é um bom caminho. Se não trouxer acalanto, ao menos te fará botar olhos em outros detalhes da estrada.

com carinho,

V. de M.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Nota inconclusa sobre o que sou, o que somos

Pergunto-me já há um tempo se o que fazemos no campo das artes - este nós implícito é um imenso EU periférico - pode ser medido pela mesma régua com que se mede a dita arte produzida pela e para as elites. Não que um burguesinho não possa vir aqui apreciar um espetáculo da Cia. Humbalada e achá-lo interessantíssimo. Seu aporte de análise, sua régua seria a mesma utilizada para avaliar um músical Brodway ou uma peça dos Sátyros, compreendido os devidos campos de produção de um e outro espetáculo. Mas tal régua seria o melhor instrumento para avaliar uma produção não só marginal por ser produzida na periferia, por membros dela e para ela, e sim por se conceber, na relação discurso-estética, uma obra periférica?
"Antígona, a mulher marginal" me colocou a questão de forma mais evidente. Qualquer crítico poderá vê-la somente como teatro-performance. Quem é daqui, porém, tem uma porta a mais para acessá-la. E só quem entra, talvez, consiga de fato compreender a dimensão que este espetáculo tem.

domingo, 6 de outubro de 2013

Consideração do poeta

(...)Tal uma lâmina
o povo, meu poema, te atravessa.
(Drummond, Consideração do poema)

Para Xs companheirXs de luta

O poeta vê o barro molhado da chuva
os barracos precários que sobrevivem
o vento assombrando a brava lona preta

Vê vozes desenhando sonhos
afrontando capitais projetos
e não sabe o que dizer

O poeta vê a palavra povo
que abandonou a poesia e os círculos e bares
da Vila Madalena e Augusta
que se tornou teoria empoeirada
Em Pinheiros e no Butantã
e sabe o que não quer dizer

Vê a criança inventando nova vanguarda
embaixo da corajosa árvore centenária e vívida
o pipa que esquiva-se e sobe adiantado
pintando de vermelho um céu de inverno
perdido na primavera

O poeta não diz
Sabe que o silêncio em tempos de luta
também é boa poesia.


Ilusión

É. Você vê um fiapo de luz no fim do horizonte e pensa "bem, agora é um caminho novo que se abre", e vai alimentando e sonhando e tals. Daí, numa tarde de domingo (e tinha que ser no domingo!), na terra de meus sonhos literários, do Caio que nunca saiu das primeiras páginas dum livro que nunca foi acabado, você vê que a luz é um trem na sua direção. Em formas de pôr-do-sol. So sad.

E aí, vida: nem uma ilusão?