para V. Cassio (do Canto em Silêncio)
Sem rodeios. Há dois nomes que quero citar e discutir neste texto: Jair Bolsonaro e Myrian Rios. Tais nomes dispensariam a necessidade de se apresentar o assunto polêmico a que me ponho a discutir, mas vá lá: o peso do discurso religioso na fala e na figura desses sujeitos.
Jair Bolsonaro, Myrian Rios e Cristinanismo. Penso que a relação entre estes termos é bastante evidente para quem estiver acompanhando os assuntos da mídia. O que não deveria ser. Mas, pelo fato de ambos deputados irem à grande imprensa como representantes do povo - e de deus - e valerem-se de sua opção religiosa para posicionarem-se contra ações legais que visam ao combate da homofobia, acabamos por associar suas opiniões às opiniões dos religiosos em geral. O maior problema, todavia, não é a opinião do sr. J. B e da sra. M. R. (dadas sob a luz da democracia e referendadas pelo direito à livre expressão) estarem associadas a grupos religiosos. O problema é quando os religiosos posicionam-se a favor dos deputados, como se estes fossem porta-vozes da massa cristã que prega amor ao próximo e defesa da família.
Àqueles que seguem a doutrina cristã e, mesmo assim, apóiam J. B. e M. R., falta um pouquinho de reflexão sobre a história da religião que seguem. O cristianismo era uma religião de escravos. Os hebreus fugiram do Egito. Os seguidores de Cristo eram perseguidos pelos romanos. Ora, isso já é o suficiente para qualquer cristão encolher o dedo em vez de apontá-lo acusadoramente. Um povo que sofreu com perseguição e a não aceitação de sua opção religiosa deveria ter como princípio básico a aceitação de qualquer fé ou de qualquer diferença que possa gerar uma perseguição semelhante ao qual foi submetido. Não está escrito na bíblia, mas poderia estar presente no coração de todos os seguidores desta doutrina.
Ademais, uma religião (aqui entendida como conceito e não como instituição social) baseada na ideia do amor ao próximo e cujo maior martir é um homem que morreu, dizem, para salvar a humanidade (mas que, na verdade, morreu por pregar valores que iam contra os preceitos do Império Romano), deveria opor-se a toda e qualquer forma de discriminação. Outra coisa que poderia estar na bíblia. E, se pensarmos bem, é o que a vida de Cristo suscita: judeu que foi mandado à cruz pelo seu próprio povo, andarilho que tinha atrás de si pobres, doentes, prostitutas (e disse, certa vez, sobre uma: "atirai a primeira pedra aquele que nunca pecou"), santo que nunca atribuiu a si os milagres que os outros diziam que ele fazia (preferia dizer: "vai. Tua fé te salvou.").
Mas temos os Bolsonaros e as Myrians Rios. Que falam em nome de uma religião e atacam os indivíduos que, diferente dos religiosos, não escolhem o tipo de desejo sexual ao qual estarão sujeitos. Que proclamam defender uma moral (família ideal, boa conduta, direito à propriedade, à liberdade de expressão) só existente no pensamento cristão após as revoluções burguesas (Revolução Francesa e outras). Estes Bolsonaros e Myrians Rios só mancham ainda mais a imagem da religião cristã. E o problema é que não encontrei, até este momento, cristãos dispostos a defender sua imagem, mas muitos que engrossam o coro dos deputados. Eu, ateu que sou, mas inspirado por um texto de um amigo (http://cantoemsilencio.blogspot.com/2010/10/sobre-politica-e-religiao.html), tento defender o uso da religião como instrumento a favor da equidade entre as pessoas (evito propositalmente a palavra igualdade, já tão desgastada nos discursos destes políticos não entendem a lógica do direito à diferença), ainda que as leis da probabilidade não me permita dar crédito a essa possibilidade.
Democracia. Direitos Iguais. Liberdade de Expressão. Tais palavras são erigidas como as aspirações máximas do Estado. Todo mundo fala o que quer e esconde-se atrás desses termos, alegando que tem direito à opinião. Mas, e quando essa opinião só beneficia aquele que a tem (e ao grupo do qual sua opinião é reflexo) e condena os demais? A mim fica patente uma falha moral: importar-se apenas consigo ou com os seus em detrimento dos demais. Para quem pensa somente em benefício próprio é preciso lembrar: ser livre exige responsabilidade. Exige olhar qualquer questão sem os pré-conceitos já sedimentados. Exige, sobretudo, que se reflita e saiba distinguir a origem de seus próprios pensamentos, de sua própria conduta, pois estes, ainda que pareçam frutos de sua brilhante capacidade humana, são reflexos também da sociedade em que o indivíduo está metido. Ser livre é perder a ingenuidade. O sujeito que cumpre essas exigências está apto a dar sua opinião. Se ele existir, suponho que prefirirá manter-se calado.